O trabalho é uma atividade que nos demanda muita dedicação, tempo e convívio social. O problema é que ele nem sempre nos proporciona a realização plena; pode, na realidade, nos deixar insatisfeitos e exaustos.
Em algumas circunstâncias pode ser extremamente prejudicial, sendo um potencial desencadeador de sofrimento e até adoecimento. Isto ocorre por causa do clima organizacional, ou seja, a pressão emocional existente no ambiente de trabalho, em conjunto com predisposições pessoais.
As mudanças no mundo do trabalho, como as novas tecnologias, a globalização da economia, a alta exigência por produção sem desperdícios, a alta competitividade no mercado de trabalho, entre outros diversos fatores, geram grande desgaste físico e emocional.
Devido a esta realidade, cada vez mais são exigidas qualificações, experiências, certificações e diversificações de competências. E, uma vez conseguido o tão sonhado trabalho, não raro os profissionais são inoculados com a sensação de que seus empregos estão por um fio, tendo alguém melhor para tomar sua vaga a qualquer momento. Várias enfermidades são geradas por esta pressão, como os agravos na saúde mental, destacando-se a tão falada Síndrome de Burnout (SB).
Definição oficial
Esta síndrome é um conjunto de sintomas específicos decorrentes da relação do indivíduo com seu trabalho. É descrita pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger, seu definidor, como “(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.
O portador de SB mede seu valor pessoal e vincula toda sua autoestima à sua capacidade de realização e sucesso. Assim, manifesta grande desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de desempenho. O que tem um início sutil, com satisfação e prazer, culmina em intensa angústia quando este desempenho não é reconhecido ou até mesmo sabotado. Neste estágio, a necessidade de se autoafirmar e o desejo de realizar se transformam em compulsão.
Confusão com depressão
No Brasil ainda há poucos estudos relacionados a este tema, o que gera a confusão desta síndrome com a depressão. Estatisticamente, segundo os dados da ISMA — International Stress Management Association, 72% dos brasileiros possuem alguma sequela causada por extrema exaustão. No entanto, dentro desta porcentagem só 32% estão oficialmente classificados como portadores da Síndrome de Burnout.
A síndrome foi incluída na Classificação Internacional de Doenças (Cid-11), que entrará em vigor a partir de janeiro de 2022, mas infelizmente poucas pessoas a conhecem. Assim, é inevitável sua confusão com a depressão. Comparando-as, a condição da SB é dada como menos grave, como um predecessor, porque sua ocorrência está diretamente relacionada ao trabalho, que é o “agressor” em questão. Já a depressão é mais abrangente e profunda, não necessita de um “agressor” para se manifestar, embora piore o quadro.
A SB pode, porém, se tornar um caso clínico mais sério, inclusive de depressão. Para diferenciá-las, é necessária a análise de um profissional; só assim haverá a definição cabal se houve ou não o desenvolvimento de um quadro depressivo.
Este desconhecimento sobre a Síndrome de Burnout é prejudicial tanto para os portadores quanto para os profissionais que os gerenciam. Por isso o reconhecimento e tratamento adequado da síndrome é uma grande necessidade para os brasileiros.
Como identificar a SB
Para ajudar a identificar este transtorno, trouxe, abaixo, um quadro sintomático comum, mas esta explicação não dispensa o diagnóstico de um profissional qualificado. Portanto, caso você desconfie que está sofrendo desta síndrome, procure ajuda.
A sensação de exaustão e de esgotamento já foram destacados anteriormente, mas elas, sozinhas, são percepções vagas que todo mundo vivencia ao longo da vida. Além destes dois sintomas, observe se há o afloramento de um sentimento de injustiça e o entendimento de que ninguém pode ajudá-lo, gerando extrema dificuldade de manter comunicações interpessoais.
Os acometidos de SB podem se tornar menos comunicativos, uma vez que sentem necessidade de permanecer na própria bolha, e se tornam menos interativos no ambiente de trabalho, ocasionando, assim, ineficiências em suas atividades, o que retroalimenta o sentimento de injustiça.
Também destaca-se a falta de motivação em acordar para ir trabalhar (associando-se, em diversos casos, ao absenteísmo) e a neuroassociação de desprazer em relação ao meio corporativo, bem como o pessimismo e a baixa autoestima.
Além disso, há ansiedade, insônia, problemas gastro-intestinais, pressão alta, fadiga, gripes e resfriados contínuos, dores pungentes pelo corpo que só se manifestam no ambiente de trabalho etc. Estes sintomas podem ir se acumulando ao longo do tempo, como uma bola de neve.
A SB também é capaz de atingir diversos aspectos cognitivos, como a memória, porque é capaz de provocar falta de concentração durante a execução do trabalho. E isto é perigosíssimo, pois dá ensejo até mesmo à ocorrência de acidentes de trabalho.
As dez fases da SB
O Burnout tem dez fases:
1. Dedicação intensificada
Necessidade de fazer tudo sozinho e a qualquer hora — imediatismo;
2. Descaso com as necessidades pessoais
Comer, dormir, lazer, sair com os amigos e resolver problemas pessoais começam a perder o sentido;
3. Recalque dos conflitos
O portador tem uma sensação vaga de que algo não vai bem, mas não enfrenta diretamente a questão. Na verdade, enterra os problemas antes mesmo que tenham a oportunidade de se manifestar na sua consciência — o que, na terminologia técnica de psicologia, chama-se “recalque”. É quando começam a ocorrer os primeiros sintomas físicos;
4. Reinterpretação dos valores
O portador começa a reinterpretar seus próprios valores pessoais, confundindo-os e mesclando-os com novos valores, obtidos ao longo do trabalho que executa. Manifesta isolamento. Nesta fase, jargões corporativos como “ter resiliência” e “vestir a camisa” são confundidos com trabalho sem limites. A única medida da autoestima é o trabalho;
5. Negação
Nesta fase, passa a desvalorizar as outras pessoas, tendo-as como incapazes e inferiores. Os contatos sociais são repelidos e evitados, manifestando cinismo e agressividade;
6. Recolhimento e aversão a reuniões
Recusa mais intensa à socialização. Evita qualquer diálogo para dar prioridade aos e-mails, mensagens, to-do’s etc;
7. Despersonalização
“Despersonalização” é um termo técnico para momentos de confusão mental em que o indivíduo não sente seu corpo como habitualmente. Pode se sentir flutuando, “fora de si”, não controlando o que fala e faz, enfim, não se reconhece. Tem mudanças abruptas de comportamento e dificuldades em aceitar brincadeiras leves com bom senso e bom humor;
8. Tristeza intensa
Crise de indiferença, desesperança e exaustão. Tem profundo vazio interior e a sensação de que tudo é complicado, difícil e desgastante;
9. Colapso físico e mental
Tido vulgarmente como “surto”. “Fulano surtou” é uma expressão comum, ainda que bastante imprecisa. Para quem não prestava atenção aos sinais de esgotamento que o portador emitia antes, o “surto” surpreende, pois aparenta surgir de repente e sem motivo;
10. Emergência
O estágio final é considerado de emergência e a ajuda médica e psicológica são urgentes.
Como o home office pode piorar a situação?
Adotado às pressas, o regime de home office não tem sido bem administrado por algumas empresas. Nelas, se tornou o pesadelo dos trabalhadores, para os quais o aumento arbitrário da quantidade de tarefas, cobranças fora do expediente e trabalhos constantes nos finais de semana e feriados se transformaram no “novo normal”. Teleconferências constantes são utilizadas como mecanismo de microgerenciamento e controle de jornada. Não por acaso, a exaustão pelo excesso de teleconferências é um problema mundial e até já ganhou uma alcunha internacional: “Zoom fatigue” (“fadiga de Zoom”, o aplicativo de reuniões virtuais mais utilizado do mercado).
Assim, o que poderia ser um modelo benéfico, que possibilitaria o cumprimento da jornada de trabalho com mais qualidade de vida, perto da família e evitando trânsito, acaba se tornando um martírio porque, em culturas que enfatizam a submissão e o controle, o que acaba acontecendo é que os profissionais ficam sem hora para se desligarem do trabalho. A barreira entre o profissional e o pessoal é totalmente dissolvida, e exige-se que estejam sempre de prontidão. “O que custa?” é um apelo frequente para que achatem cada vez mais suas horas de descanso.
Para as pessoas predispostas a ter ou já portadoras de SB, este cenário agrava muito o quadro, fazendo com que percam totalmente os limites e não consigam mais “sair da empresa”, entrando numa espiral descendente que pode envolver toda a família na crise.
Como lidar com a SB?
Para prevenir esta síndrome tão prejudicial, algumas atitudes devem ser adotadas, porque elas ajudam a administrar o estresse no ambiente corporativo, evitando, assim, que ele comprometa a sua saúde.
A princípio, todos nós devemos deixar o perfeccionismo de lado e aceitar que nem sempre nós daremos conta de tudo — somos suscetíveis a isso, é involuntário. Temos que respeitar nossos limites e os das outras pessoas também.
Para as atividades que por um acaso não conseguimos concluir em determinado dia, o melhor a se fazer é ser flexível em nossos planos, ajustando-os sempre que necessário, mesmo que tenha que adiar algumas atividades por causa de objetivos e prioridades momentâneas. A organização é a chave, mas nada em excesso é bom.
É necessário saber separar o ambiente de trabalho do pessoal, limitando a execução de vistorias e pequenas prestações de serviço fora do horário de trabalho. Isso serve principalmente para as pessoas que trabalham com home office.
Não abdique da sua qualidade de vida, sempre garantindo um cuidado reforçado de sua saúde mental e física. Separe um tempo do seu dia para lazer com a sua família, e, caso for possível dentro das suas condições, um tempo para praticar atividades físicas, que são ótimas para combater o estresse e outros problemas. Além disso, procure sempre manter uma alimentação saudável.
Caso desconfie que já seja portador(a) de SB, não tenha vergonha de estar doente e busque ajuda de um(a) profissional, que, caso confirme o diagnóstico, indicará medicações e terapias adequadas.
Fontes:
“Setembro Amarelo: burnout e o esgotamento físico e mental no trabalho”. vocesa.abril.com.br.
“Síndrome de Burnout: quando o trabalho passa dos limites”. istoe.com.br.
“Síndrome de Burnout, por Yuri Busin, Mestre e Doutor em Neurociência Cognitiva”. yuribusin.com.br.
“A Síndrome De Burnout: Aspectos Relevantes Para O Mundo Do Trabalho”. Portal Educação.
Revista Viver Mente e Cérebro, edição 161, junho de 2013.